YORHAN E SÂMYLLA - O Portal Azul

Joabe Reis






Romance


UM

       Aquele dia começara como outro dia qualquer na centenária universidade onde eu estudava num país da América do Sul, havia pessoas sentadas na grama, outras transitando e fazendo muita doideira, com papos do tipo, drogas, baladas, sexo e futebol, mas somente um fenômeno inusitado despertava a minha atenção quase sempre insensível e bastante cobrada principalmente pelas donzelas impuras por muitas vezes alvos do meu ritual de sedução, de modo inefável o brilho incandescente do sol que iluminava intensamente o campus, curiosamente de forma incomum para àquelas horas do dia, penetrava entre as folhas da palmeira que me emprestava sua sombra enquanto eu aguardava a chegada dos meus amigos e me atraia como um ímã. A Universidade Federal ficava afastada do centro urbano, era cercada por um bosque disforme cheio de muitas árvores floridas, como o Ipê roxo e o Ipê amarelo, e muitas pequenas pedras pretas espalhadas sistematicamente em fileiras como se alguém tivesse passado meses desenvolvendo um trabalho artístico. Diziam os mais antigos que ali fora, durante muitos séculos há milhares de anos antes, a morada de tribos guerreiras e onde muitos deles foram abatidos durante ferrenhas batalhas com criaturas malignas, conversa na qual jamais depositei minha crença. E sem saber por que eu olhava para um lado daquele bosque a minha direita, onde havia uma trilha sombria pela qual certamente centenas de vezes aquelas tribos guerreiras passaram indo ou retornando de suas batalhas, por ali nenhum dos universitários gostava de caminhar quando tinham permissão de passear no bosque, mas inexplicavelmente eu sentia uma força me aliciando de forma sobrenatural como eu jamais tinha presenciado na minha vida de garoto do interior, aquela força irresistível tentava me levar ao seu encontro em algum lugar dentro da floresta. Os meus amigos logo chegaram e vieram até mim cheios de bom humor, como todo dia, mas logo perceberam o meu estado absorto, pois estranhamente não me juntei a eles nas divertidas gargalhadas, como fazia em todas as outras vezes que eu chegava à universidade. Aqueles eram os meus melhores amigos e não havia nada que eu fizesse sem compartilhar com eles. Mas naquele momento a razão havia fugido de mim como se a minha alma do alto estivesse olhando para o meu corpo, eu os via caminhando em minha direção e apontarem na minha direção mexendo os lábios, mas suas vozes pareciam estar em tão baixo volume que eu não conseguia ouvir, a força sobrenatural já me carregava afastando cada vez mais a minha alma do meu corpo e o silêncio absoluto me separava daquela realidade enquanto eu podia ver por trás de uma imensa cortina transparente um castelo com duas altas torres imponente no meio de uma floresta de fim inalcançado pelos meus olhos, foi quando então o meu corpo começou a ser sacudido e eu passei a ouvir bem baixinho uma voz, alguém gritava o meu nome:
     - Marcus! Marcus? – um deles tentava me despertar daquele transe sinistro. Meus amigos deviam estar preocupados com o meu estado.
     De repente eu pude sentir que a minha alma retornava se aproximando de modo apressado e o meu corpo ficava mais perto até que em fim consegui dizer algo: - Sim. – respondi fitando pelo canto dos olhos a minha amiga Amanda já perto de mim a frente dos demais. Ela era como uma flor intocada revestida de uma beleza singular, uma raridade que sempre deixava meus olhos hipnotizados e o coração sem domínio, mas não sei por que pela primeira vez eu estava imune ao encanto daquela beleza.
     Ela sorridente continuou a falar comigo - Poxa Marcus, você hoje está tão distante! O que está acontecendo contigo? – disse depois de se abaixar bem perto de mim e por a mão no meu ombro direito.
     - Na verdade eu não sei. – respondi sem emoção. O sangue devia ter fugido do meu rosto pelo modo como ela me alisava a face com um olhar de espanto.
     - Que tal darmos uma volta no bosque? – sugeriu Lígia, a amiga mais extravagante do grupo. Lábios pintados de um vermelho forte e uma saia bem curta, tipo periguete.
     Aquela sugestão me agradava, podia ser uma coincidência, mas a força sobrenatural voltava a exercer um certo poder sobre mim.
     - Vamos! Estamos sem nada para fazer mesmo. Levamos os nossos livros e ficamos um tempo por lá. – disse Rael entusiasmado, estudar nunca fora seu forte.
     Eles esbanjavam energia e não paravam de falar.
     Cômica Lígia comentou: - Assim quem sabe o Marcus volta para o nosso mundo, porque ele está viajando em outra galáxia, ta entendendo? – ela me olhou de um jeito terno, eu sabia que ela, assim como os outros, só queria me ver bem.
     Enquanto caminhávamos para o bosque a misteriosa força ficava mais forte a cada passo que eu dava, eu estava totalmente dominado. A turma sorria em conseqüência das brincadeiras jocosas, mas em mim havia uma ansiedade crescente e uma apreensão apertando o peito, havia algo esperando por mim lá, eu podia sentir.
     Seguíamos caminhando numa trilha coberta por folhas secas dispensadas das altas árvores, com a intenção de explorar a pequena floresta como experientes pesquisadores a fim de ocuparmos o tempo tedioso da espera pelo começo da aula. E somando ao inusitado momento que eu vivia, a aula de dramaturgia do dia anterior mexera comigo. A Lenda do Amor Perdido me comovera sensivelmente com uma história de amor impossível vivida por um judeu e uma romana nos tempos da invasão de Jerusalém pelo império romano.
     Após passarmos entre dois pequenos arbustos que cercavam a trilha, nos deparamos com um achado surreal causando espanto em cada um dos exploradores.
     - O que é isso? – Amanda foi a primeira a ver, pois puxava a fila.
     A força que me seduzia estava bem perto e parecia querer me sugar pelas entranhas do tempo e espaço.
     Um cenário estranho começou a surgir em nosso derredor e não era apenas eu que podia ver - Meu Deus é lindo! – Rael estava pasmo ao se defrontar com a coisa a sua esquerda.
     Lígia tomou a minha frente e disse com um tom de admiração – Minha nossa! É maravilhoso. Podemos ficar aqui? – perguntou elevando os braços com as palmas das mãos pra cima fazendo a sua blusa vermelhar subir um pouco deixando descoberta uma tatuagem no final das costas
    Eu estava perplexo por contemplar tão bela relíquia de certamente centenas de anos e, no entanto, num estado de conservação impressionante. De repente percebi que a força aliciadora havia me abandonado e eu já tinha o controle das minhas ações. Senti vontade de tocar naquelas pedras esculpidas de forma surpreendentemente perfeita lembrando-me de certas cenas que vi no cinema. Certamente aquelas pedras tinham um valor incalculável, pensei. – Vamos ficar aqui sim. – falei depois de um tempo em silêncio – Sinto que há muito para descobrirmos.
     Pusemo-nos a perscrutar o local e logo alguém gritou de modo histérico – Venham ver o que eu achei! – era Rael que havia encontrado alguma coisa e de longe eu pude vê-lo retirando de modo apressado as folhas que cobriam uma caixa velha marrom parecendo ser de madeira.
     - O que será isso? – perguntou Lígia curiosa como sempre, fazendo de seus dedos os seus olhos.
     A curiosidade era de todos.
     - É um cofre, pessoal! – Rael berrou mais adiante.
     Em instantes rodeamos a descoberta muito real e não podia ser um objeto de brincadeira plantado no bosque para servir de pegadinha.
     Eu discordava de Rael, não era possível ser um cofre, ou alguém já teria encontrado, sendo um objeto daquele tamanho. Eu não conseguia entender como aquilo podia estar ali.
     - É, parece ser bem antigo. Vamos abri-lo? – Rael segurou no cadeado – pode ser um tesouro deixado aqui por piratas – comentou com certo humor.
     Porém, para nos apavorar, quando mexíamos no cadeado uma voz grave ecoou misteriosamente pelos quatro cantos do bosque, a voz dizia a palavra Não de usando um tom hostil. Olhamos em volta assustados, mas nada pudemos ver. Rael, no entanto estava curvado sobre o baú e ignorou a voz acreditando que fosse mais uma brincadeira minha. – Por que não? Vamos ver o que tem dentro, cara! Quem sabe não é um tesouro real. – ele estava decidido a quebrar o cadeado segurando uma pedra prestes a fazer a primeira batida.
     - Não é! – a voz nítida de tom grave manifestou-se outra vez deixando a mim e as garotas, arrepiados.
     - Como você sabe, Marcus?  - Rael continuava ignorando a voz olhando apenas para o baú.
     Gaguejando respondi que não era a minha voz, então ambos nos viramos e a surpresa foi espantosa. Um homem de longa barba e cabelos brancos olhava para nós apoiado num cajado dourado. Parecia que todos nós havíamos consumido um baseado e estávamos compartilhando a mesma alucinação.
     - Hei! De onde saiu isso? – Foi a pergunta de Rael apontando para o velho.
     Arranquei coragem de onde não tinha e com a voz falhando perguntei quem era ele e como aparecera daquela forma. As minhas pernas tremiam. – Você é real? – ainda indaguei.
     O velho aproximou-se de nós, abriu bem os olhos e então começou a falar compassadamente: - Meu Nome é Ghelf Rharum. Sim, sou real como também sou o guardião desse santuário oculto, agora violado por vós após milhares de anos, imaculado. Não podeis abrir essa caixa! Isto eu não permitirei. – eu permanecia imóvel, mal mexia os olhos. – Se esta caixa for aberta algo terrível irá ocorrer, um fenômeno que jamais suas mentes limitadas ousariam imaginar. – disse ele num tom macabro.
     O pavor tomou conta de cada um de nós, parecíamos um único corpo, pelo modo como estávamos grudados. Mas a voz do velho era serena, embora sua aparência causasse muito medo, seu corpo era tão esguio que parecia esquelético coberto por uma fatiota que eu nunca tinha visto nada igual antes.
     Lígia ergueu o dedo como se estivesse em sala de aula e perguntou de qual santuário ele falava.
     O velho deu mais um passo adiante apontou para o baú e disse que ali nós contemplávamos as provas da mais bela história de amor já vivida por seres do universo inteiro.
     Rael parecia desacreditar do papo cinematográfico do velho misterioso e refutou suas palavras alegando que um velho gagá daqueles só podia estar com conversa fiada, não havia a menor possibilidade de que tudo aquilo fosse verdade. – Ele só pode estar de olho no tesouro. Ô Meu chapa, nós vimos primeiro! – concluiu.
     E foi então que eu vi uma cena antes protagonizada apenas em cinema nos filmes ganhadores de Oscar. O velho ergueu o cajado no qual se apoiava, apontou para Rael e disse: - Vós não credes então eu darei uma prova! – tinha o coro da testa cerrado e um olhar sombrio.
     O velho balançou o cajado e em segundos Rael perdeu os movimentos de todos os músculos do corpo, ficou como uma estátua de cera.
     Aquilo nos deixou mais apavorados ainda, não sabíamos se saíamos correndo ou ficávamos para ajudar o amigo, mas o fato é que não conseguíamos sair do lugar, estávamos com os pés plantados no chão, como se fôssemos plantas do bosque. Pouco tempo depois o velho tornou a chacoalhar o cajado e Rael voltou a movimentar os músculos e a falar.
     - Agora credes? – o misterioso velho, e agora aparente feiticeiro, indagou dando mais um passo em nossa direção. – Eu testemunhei toda esta história – prosseguiu antes de ouvir a resposta – foi um amor proibido que jamais pode ser consumado na era passada de um tempo onde a magia e o poder da mente eram instrumentos de batalhas. Vêem aquelas duas estátuas ali? – apontou para o nosso lado esquerdo onde havia duas pedras esculpidas com formas perfeitas de seres humanos – Elas protagonizaram o que antes já afirmei, quando vivas.
     Ainda sem assimilar os acontecimentos repentinos perguntei como elas ainda não haviam sido descobertas.
     O velho olhou nos meus olhos e revelou que somente uma pessoa de coração puro poderia tornar visível o santuário quando tocasse com os pés a linha sagrada e um de nós possuía um coração impoluto.
     Uma interrogação começou a martelar dentro de mim, quem de nós teria um coração assim? Eu por certo não o teria, não depois do que eu tinha feito duas semanas antes. Mesmo com a dúvida preferi pedir para que ele contasse a história, abandonando a curiosidade de saber quem era o dono do coração. Os meus amigos continuavam calados, pareciam hipnotizados de medo.
    O velho pediu para que sentássemos e sem hesitar comunicou que a história era longa e tomaria muito do nosso tempo, mas se queríamos ouvir ele contaria. E na verdade ele parecia um ancião gentil, de um comportamento majestoso, ansioso para conversar com alguém, ele deveria ter passado muitos anos sem conseguir contato com uma viva alma.
     Acomodamo-nos sobre as folhas que cobriam o chão e emprestamos os nossos ouvidos ao causo fabuloso daquele velho cheio de mistério.
     Ele caminhou até as estátuas e deslizou os dedos sobre uma delas pronunciando três palavras de um idioma desconhecido, em seguida começou a dizer: - Pois bem. Assim tudo começou. – apoiou as duas mãos sobre o cajado e continuou falando – Foi há muito, muito tempo, na temida Floresta do Meio numa outra dimensão, uma era onde os mais fortes eram os que melhor dominavam o poder da magia ou da mente. Tudo era perfeito. Não havia dor nem sofrimento, a dimensão dos Eufillus, terra do bem, era um lugar onde o amor reinava insigne, mas seus habitantes por natureza eram proibidos de compartilharem esse sentimento através do toque corporal, principalmente os habitantes do condado chamado Pantorian com os habitantes do condado de Shillon e por isso não o conheciam na prática, mas espalhavam a outros seres de lugares longínquos, como aos humanos aqui da Terra. E no início de uma nova era daquela dimensão dois jovens desses dois condados rivais foram forçados pelo destino a se encontrarem na sala do Senhor do Império Husfillo no trigésimo dia daquela era de submissão que havia sido iniciada. Aquele foi o inevitável encontro que mudou o rumo de toda a história, como Saladim, o profeta, havia previsto.
DOIS

     Enquanto o velho começava a contar a história, senti uma queimação dentro de mim, o mundo começou a girar e quando por fim percebi, eu podia ver os detalhes de cada pedacinho das cenas descritas pelo detentor do cajado, assim pude ver um jovem ajoelhado e com o olhar inclinado aguardando a entrada de alguém numa enorme sala idêntica aos salões dos castelos imperiais mostrados nos muitos filmes épicos já vistos por mim. “O jovem aguardava seu novo e desconhecido parceiro para em fim saber qual seria a próxima missão”, Ghelf Rharum revelou.
     A grande porta do salão foi aberta sendo dividida ao meio gerando uma estreita passagem por onde entrou com passos tímidos uma jovem de cabelos negros e lisos, vestida em uma roupa na cor verde claro de detalhes bordados artesanalmente na horizontal quase colada no corpo deixando visíveis suas formosas curvas. O jovem que estava de joelhos sentiu uma áurea de doce eflúvio se aproximando, era diferente de todas as outras vezes quando estivera ali aguardando um novo par. Com o canto dos olhos conseguiu ver a face daquela áurea diferente, era uma pantoriana, logo notou pela forma como estava vestida. Ela o fitava com a mesma surpresa, pois devia esperar um parceiro do seu condado, mas sentia no cheiro amadeirado vindo do controlador ao lado que ele só podia ser de Shillon. Ficaram ajoelhados ombro a ombro. O Senhor do Império Husfillo, Ezus, ordenou que fossem vistoriar a educação secundária nas escolas da Cidade da Luz. Os dois esperaram o Imperador deixar o salão e em seguida levantaram, quando finalmente puderam se olhar.
     O velho do cajado fez uma pausa para dizer: - Um simples olhar foi suficiente para impelir tudo quanto justifica a minha presença aqui na frente de vocês – depois retomou a história deslocando alguns centímetros o cajado de lugar no qual apoiava a mão direita.
    O coração de ambos bateu descompassado no peito e visivelmente eles foram envolvidos por uma sensação estranha, naqueles olhares havia desejo rompendo a barreira da sangrenta rivalidade entre os condados, fomentando a necessidade de estarem perto um do outro feito metal e ímã.
    O condado de Shillon detinha o poder da mente e disputava as águas do Rio Cósmum com o condado de Pantorian que detinha o poder da magia – explicou o velho.
    Ao deixarem o salão caminhando lado a lado disseram as primeiras palavras:
     - Como é o seu nome? – indagou o jovem controlador segurando o peito, confuso com o que estava acontecendo consigo, mantinha os olhos negros fixados na beleza da parceira filha do povo inimigo do seu povo.
     - Meu nome é Sâmylla. – ela também não entendia o que estava acontecendo dentro do seu peito – E o seu? – quis saber retribuindo o olhar tendo o rosto do jovem parceiro refletido nos seus olhos verdes.
     - É Yorhan – respondeu - Nunca tive uma parceira antes – comentou tentando esticar a conversa.
Os dois continuavam caminhando na direção dos cavalos.
     - Essa é a minha primeira missão e estou feliz por realizá-la ao lado de alguém com experiência. – disse a pantoriana enquanto caminhavam em passadas idênticas sobre a grama que cobria a área em volta do castelo.
     Montaram nos animais que haviam ficado pastando na margem do rio no lado norte da morada imperial e partiram para a missão.
     Enquanto voavam montados em seus cavalos brancos de asas enormes não davam chance para o silêncio. Os dois jamais haviam participado das inúmeras batalhas de poder travadas entre seus povos e estavam estranhamente ligados por uma força nascida no íntimo dos dois. Concluíram rápido a missão e ficaram com um longo tempo disponível para fazerem o que quisessem. Yorhan aproveitou para convidar Sâmylla a ir conhecer um lugar especial, onde costuma se refugiar quando estava decepcionado com algum acontecimento. Cavalgaram até o alto de uma montanha cheia de colunas de pedras. Sâmylla não entendia por que estavam ali ao invés de estarem fazendo o relatório que teriam que entregar no final do dia. Yorhan pegou na sua mão e a fez segui-lo ao topo de uma das colunas de pedra, em seguida pediu a ela que olhasse para o horizonte, era possível se perder só de olhar aquela imensidão interminável.
     - Não é bonito o encontro do azul do céu com o verde da floresta? – indagou à parceira?
     - É lindo, mas não era necessário tanto esforço para me mostrar esta maravilha, podíamos ter visto do alto quando estivéssemos em nossos unicórnios alados.
     - Sei disso! Na verdade eu queria te apresentar a um velho amigo que vive aqui há muito tempo.
    Sâmylla ficou mais confusa. Olhava para todos os lados e não conseguia ver nada além do verde rasteiro cobrindo o chão. Logo quis saber onde estava o amigo. Yorhan sorriu, pegou novamente na mão da parceira e a ajudou descer da coluna de pedra.
     - Falo desse amigo – disse ele apontando para a pedra gigante de onde haviam descido.
     Sâmylla não conseguiu segurar a gargalhada, não entendia como uma pedra poderia se tornar amiga de alguém. E antes de fazer mais uma indagação disse ao parceiro que tinha sido uma brincadeira muito engraçada, mas fora muito infantil. - Por que você fez isso? - não pode evitar a pergunta.
     Yorhan insistiu – Não é brincadeira, costumo ficar horas conversando com ele... – a ponta do nariz meio arredondado dele começou a ficar vermelha.
     - Conversando? – a gargalhada foi repetida – Pedras não falam!
     - Diga olá para essa incrédula, Drhoom. – Yorhan olhou confiante para a pedra.
     Sâmylla continuava sorrindo, ela devia estar imaginando em como o povo de Shillon podia dominar o poder da mente se um de seus representantes parecia tão infantil.
     Yorhan olhava para o alto da pedra como quem desesperadamente esperava uma resposta, mas a pedra sequer dava um sinal. Sem a resposta do amigo tentou explicar para a parceira o que estava acontecendo, num esforço inútil. Sorridente Sâmylla o convidou para voltar ao palácio. Cavalgavam sem pressa de chegar enquanto atravessavam uma colina e depois uma floresta antes de alcançar o palácio imperial.
     Na manhã do dia seguinte de sol radiante erguendo detrás das duas montanhas ao leste eles voltaram a se encontrar na sala do Senhor do Império. Ela já o aguardava e quando Yorhan entrou seus olhares se cruzaram e de um modo magnético inexplicável se atraíam feito metal e ímã. Ele quis saber por que o Senhor Ezus não estava na sala. Permanecendo com o olhar fixado em Yorhan Sâmylla explicou que Ezus havia saído para se reunir com o exercito da Paz, mas que logo retornaria. Com passos idênticos se aproximavam um do outro atravessando o grande salão. Sem perceber Yorhan começou a dizer elogios para Sâmylla como se estivesse num transe de hipnotismo, demonstrando um comportamento totalmente inusitado que fugia aos hábitos de toda uma era, ele dizia o quanto ela era linda e inteligente citando cada qualidade e comportamento que ela tinha. A jovem pantoriana gostando muito do que ouvia indagou por que agia daquela maneira absolutamente incomum. Já a dois passos fêmea perfeita aos seus olhos Yorhan respondeu que estava louco alucinado, era a única explicação, muito embora jamais conhecera os sintomas do estado de insanidade mental de cujo um louco podia apresentar. Sâmylla jamais ouvira outro shillonio dizer aquelas palavras estranhas.
     - Louco, como assim? – ela quis saber em meio a confusão na se perdia a sua lucidez de missionária.
     - É, louco embevecido de uma força sentimental avassaladora que foge aos meus domínios. É como se tudo tivesse parado e eu não vejo mais nada além de você. Não ouço nada além do som melodioso saído da sua boca que penetra em meu ouvido e invade a minha alma de servidor. E apesar de tê-la encontrado apenas há um dia eu sinto na profundeza do meu íntimo, e muito mais no meu coração, como se eu já te conhecesse há muito mais tempo. É tudo um sonho, eu sei, e quando eu acordar estarei no meu descanso obviamente chorando por ter despertado da mais bela viagem que me levara o irreal fruto do sono.
     - Não! Mas não é um sonho. – Sâmylla refutou – Nós estamos aqui e é real!
     - Por que você diz isto? Você sabe que é. Que é apenas um delírio meu. Logo não estarás mais do meu lado.
     - Não, não pode ser. Porque tudo quanto tu estás sentindo eu também estou sentindo no meu interior. É como se existisse apenas você no universo inteiro. Suas palavras são como a brisa que ao tocar o meu corpo eu me sinto bem como se eu estivesse no paraíso preparado por Akeus, segura, onde ninguém pudesse nos separar.
     Akeus era o deus daquela dimensão – nos explicou o velho Ghelf Rharum, em seguida prosseguiu:
     Yorhan sentia o coração querendo saltar do peito, assim como Sâmylla, ambos não sabiam como se comportar diante daquele surpreendente sentimento, embora a missão de suas vidas fosse espalhá-lo por toda a dimensão estavam incapazes de compreendê-lo.
     - Eu não consigo mais ficar sem pensar em ti, Yorhan. Sinto vontade de tocar em você e de te beijar, estou estranha, a ponto de querer violar todas as leis e regras impostas ao nosso povo.
     Suas respirações tocavam suas faces quando já não havia um passo sequer os separando e pelas mãos grudaram seus corpos. Sâmylla permanecia como uma inocente cheia de dúvidas – Sinto como se um fogo ardesse sobre meu peito queimando tudo dentro de mim – disse ela olhando no fundo dos olhos parceiro.
     - Não sei medir o tamanho de tudo isto que está aqui em mim a ponto de sair a qualquer instante, é como se houvesse passado um furacão levando tudo que eu já vivi ou já tive e não restasse nada além de você me transformando em um novo ser.
     Seus lábios quase se tocaram, mas passos no corredor quebraram o encanto do momento. Os dois se afastaram temendo a chegada de Ezus. Porém impelidos pela vontade de consumar seus desejos marcaram um encontro secreto na Alameda dos Sonhos, lugar onde só os Senhores da dimensão dos Eufillus freqüentavam em encontros de procriação.
     Ezus entrou no salão como se algo muito grave estivesse acontecendo e ordenou a sua serva acompanhante a reunir o conselho, pois estava preocupado com o que o profeta lhe dissera durante a reunião com o Exército da Paz. O grande acontecimento havia chegado – informou antes de se sentar no trono.
     - Mas ele não sabe do que se trata? – comentou Elizah antes de cumprir as ordens.
     - Sabe. Mas prefere dar um tempo.
     - E quando não houver mais tempo? – a serva parecia aflita.
     - Não, não sei o que acontecerá. – Ezus demonstrava inquietude virando de um lado para outro no trono com um semblante perturbado.
     - Ah! Senhor, estes dois jovens aguardam pela próxima missão. – a serva apontou para Yorhan e Sâmylla de modo indiferente.
     Ezus olhou diretamente para Yorhan demonstrando grande afeto por ele ser o encarregado mais competente no cumprimento das missões de provocação, por isto havia ganhado o título de Primeiro Amor, dono dos sentimentos, detentor do poder da mente. Como se falasse a um filho o grande Ezus revelou para Yorhan e sua parceira o que deveriam fazer na próxima tarefa, eles deveriam unir uma centena de casais e tinham apenas até o final do dia para realizarem a missão.
     Aquele parecia um dia reservado exclusivamente para o amor pelo clima primaveril envolvendo o jovem casal. Apesar da cansativa tarefa eles realizavam a missão sem perder o brilho dos olhos e o calor do coração. O dia para eles não teria mais fim, sentiam como um pressentimento de algo bom que haveria de vir. Em cada vilarejo que passavam davam instruções e lançavam o pó do afeto com mais dedicação, pareciam amarrados por um feitiço dos mais poderosos de cujo laço não tinham como se livrar.
     Mas enquanto Yorhan e Sâmilla viviam aquela inusitada atração o clima era tenso e de muita discussão na sala do Conselho Geral, o falatório era desordenado o que obrigou o orador levantar a voz e declarar silêncio absoluto para que fosse possível acontecer o pronunciamento do Senhor Imperador Ezus. O Senhor do Império Husfillo cruzou a sala até o Altar montado no canto norte, onde sentou na cadeira Glorial vermelha com adornos dourados e disse: - O motivo que nos obrigou a convocar essa reunião em caráter de urgência é muito grave, eu desconheço os detalhes, entretanto o profeta Saladim irá nos esclarecer do que se trata porque ele teve uma visão. Todos ficaram pasmos, pois só o fato de o profeta ter uma visão já era motivo de alerta total, não sendo algo para o bem.
     O velho Ghelf Rharum contava a história como se tivesse presenciado cada momento daquela reunião extraordinária pelo modo como falava que já estava nos convencendo.
     A história prosseguia sendo revelada pelas palavras daquele misterioso velho: O profeta chamado Saladim ficou de pé do lado esquerdo do Altar e começou a explicar em alto tom - Há algum tempo venho tendo visões horríveis sobre o amor e seu futuro na nossa dimensão. Todas as noites as estrelas me revelam que em breve o amor será extinto no universo e para nós isto significaria a nossa extinção, o que marcaria a evolução do nosso planeta com o início da dominação das forças obscuras num reinado que poderá nunca ter fim. Esta visão não me deixa descansar os olhos durante a noite. Somente nós podemos evitar que isto aconteça, por isso é nossa responsabilidade evitar esta catástrofe.
     - Mas esta extinção se deve a que? Como isto poderia acontecer? – indagou um dos religionários.
     Saladim continuou explicando - Todos nós sabemos que somos a própria existência do amor e por nós o amor existe no universo e em todas as dimensões. Porém se dois dos Eufillus usar desse amor entre si, Ele os destruirá e a todos nós, sendo a força desse poder impossível de ser absolvida por cada um de nós devido a sua grandiosidade imensurável. Por este motivo não somos gerados num ato de contato físico direto.
    A dúvida ainda pairava sobre os conselheiros, religiosos, generais e governantes do Império – Deixe-me entender melhor esta sua revelação, profeta, respondendo-me, apenas um casal seria suficiente para provocar tamanha destruição? – indagou o conselheiro imperial I.
     O profeta coçou a barba e respondeu: - Sim Adoor, por ser um mundo onde o amor reina o mínimo de amor existente entre os de nós seria avassalador. Nada poderia por fim, nem mesmo o tempo. Seria um sentimento tão puro e poderoso e tão real como nenhum outro, que poderia oprimir os demais ao ponto de exumá-los.
     - Então isto está perto de acontecer? – Ezus perguntou preocupado.
     - Está. O tempo se aproxima – Saladim alertou.
     Todos começaram a falar de uma vez só, até que uma voz em tom mais alto procurou novamente o profeta - Como poderíamos evitar? – indagou outro religionário fazendo o restante se calar por um instante.
     - Talvez se contássemos a todos os outros habitantes... – o comentário surgiu no meio de tantos outros.
     Saladim advertiu imediatamente - Não podemos divulgar o que aqui está sendo discutido. Seria precipitado e arriscado demais. A curiosidade tomaria conta de todos e o desejo levaria a todos querem provar desse amor proibido.
     O segundo conselheiro se levantou e disse que a solução era esperar acontecer para então convencer o casal a não prosseguir com o envolvimento. Outro conselheiro levantou a hipótese de não haver um entendimento por parte dos envolvidos e o Imperador Ezus foi taxativo, disse que se precisasse tomaria medidas extremas.
     Todavia o que eles discutiam na sala do Conselho já estava acontecendo e ainda não haviam percebido. O jeito diferente de Yorhan e Sâmylla se olharem indicava o perigo.
TRÊS

     Aquela história era realmente fantástica com um teor poderoso capaz de sugar a nossa noção de tempo e espaço. Mas de repente o velho começou a desaparecer e a voz de tom grave quase assustadora dele já não podia ser mais ouvida, ele foi sumindo vagarosamente bem ali diante de nós quatro até as folhas se alvoroçarem indicando seu sumiço tão misterioso quanto o seu surgimento. Como num aperto de botão de um controle remoto fomos libertados do transe sinistro e tudo a nossa volta parecia normal, mas quando eu olhei para o lado direito vi que Lígia já não estava unida ao grupo. Foi quando então nos levantamos e caminhamos de volta para a universidade. As pedras também haviam desaparecido e o baú ficara invisível. Mantínhamos o silêncio enquanto caminhávamos de volta a sala de aula. A garota que conseguia fazer congelar as palavras na minha boca sempre quando estávamos a sós nos esperava escorada no corrimão da escada que dava o acesso ao prédio da universidade.
     - Não sei como eu vim parar aqui! – disse ela ao nos ver – o que aconteceu? – ela indagou parecendo bastante confusa e talvez assustada.
     Rael galgou os degraus se fazendo ser seguido por nós três enquanto tentava compartilhar com Lígia o mistério sinistro que todos nós havíamos vivenciado – De repente eu estava olhando um velho baú cheio de tesouros, depois um sujeito esquisito apareceu dizendo ser o dono de tudo aquilo e agora eu estou aqui tentando entender por que tudo desapareceu tão rapidamente, como se eu tivesse acordado no meio de um sonho – comentou.
     Eu concordei com ele, pois também estava sem entender o que havia acontecido.
     Quando entramos na sala de aula o professor estava juntando seu material de trabalha para deixar a sala indicando o final daquele período, foi quando olhei no relógio do meu celular e caí na real das horas que tínhamos nos ausentados e já era o momento de retornar para casa.
     Despedimos-nos e cada um dos meus amigos seguiu para o estacionamento onde pegaria o transporte, eu peguei meu capacete, tirei o cadeado do pneu que mantinha segura a minha bicicleta ao suporte do estacionamento e comecei a pedalar tentando esquecer tudo quanto havia ocorrido naquela manhã. Eu esperava que nunca mais voltasse a passar aquilo tudo outra vez.
     Porém a minha esperança parecia minguar quando cheguei na universidade no dia seguinte, depois de uma noite mal dormida por ser atormentado por sonhos esquisitos e pelo barulho irritante causado pelo jovem com quem eu dividia o quarto. A força aliciadora outra vez atraía minha atenção assim que eu me aproximei da escada. Como de costume os meus amigos correram ao meu encontro e inexplicavelmente decidimos ao mesmo tempo voltar ao local do encontro fabuloso, as nossas mentes só podiam estar sendo controladas por uma mente superior e poderosa.
     Ligia caminhava na frente e quando ela pisou sobre a linha do santuário, que o velho havia mencionado, o cenário místico ressurgiu num passe de mágica, mas já não nos assustou, mesmo quando Ghelf Rharum saiu de detrás das duas estátuas de pedra. – Eu os esperava – disse ele se apoiando no cajado para trocar passos em nossa direção – ontem o puro de coração entre vocês saiu de repente e me interrompeu, no entanto hoje eu continuarei a contar o que houve com aquele belo jovem casal – afirmou apontando com os olhos a estátuas.
     Sem deixar que disséssemos uma palavra ele retomou a história e nós sentamos sobre as folhas secas para ouvi-lo.


     
Em breve mais dessa história lendária. Este é o meu novo livro que estou escrevendo.

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